Breve Histórico do Início da Produção de Minisséries na Inglaterra e nos EUA


Por Fernanda Furquim

Ao longo de décadas, a TV americana dominou a produção de séries no mercado internacional. Mas embora tenha conquistado um espaço neste segmento, os Estados Unidos não são o único, muito menos o primeiro país a oferecer produções de qualidade. Um dos fatores que contribuíram com a evolução da TV americana foi a influência que ela sofreu da TV inglesa, que começou a produzir programas regularmente dez anos antes. Enquanto que os EUA investiram mais na produção de séries, a Inglaterra abraçou as minisséries, de menor duração. Graças ao sucesso e a credibilidade conquistados por este tipo de programa no Reino Unido, os americanos deram início à sua própria produção nesse formato a partir da década de 1970.
Segundo historiadores, a primeira versão americana de um programa inglês ocorreu em 1964, com o humorístico That Was The Week That Was, apresentado por David Frost (jornalista que entrevistou Richard Nixon – situação retratada no filme Frost/Nixon). Esse humorístico também serviu de base para o estilo narrativo que seria utilizado pelas séries e humorísticos americanos que adotavam o tom satírico. A partir daí, a TV americana teria começado a buscar na terra da Rainha produções e ideias que permitiram à TV do Tio Sam romper padrões e a explorar tabus.
Derek Jacobi em cena de I, Claudius

A TV na Inglaterra
A produção televisiva britânica teve início em 1926, mas somente se tornou oficial com o lançamento formal da BBC em 1936. As transmissões sofreram uma interrupção em 1939, em função da 2ª Guerra Mundial, retornando ao normal em 1946. De 1936 até meados dos anos de 1960, muitos programas ainda eram transmitidos ao vivo, o que fez com que fossem perdidos pelo tempo, restando poucos registros fotográficos ou de matérias em jornais e revistas da época. Alguns também conseguiram sobreviver em áudio, visto que a rede BBC transmitia vários programas via rádio BBC para regiões onde o sinal da televisão ainda não chegava.
A interrupção britânica em função da Guerra deu aos EUA uma vantagem para que equipamentos e novos sistemas fossem criados, proporcionando à TV americana seu surgimento comercial em 1945. Quando a Inglaterra interrompeu as transmissões em 1939, o país tinha uma média de 20 a 25 mil televisores vendidos. A BBC foi o único canal de TV no Reino Unido entre 1936 e 1955, ano em que foi lançado o primeiro canal comercial do país: ITV.
Tradicionalmente, a programação da BBC sempre foi destinada a um público de classe média à alta (que tinham poder aquisitivo para adquirir um aparelho), com objetivos didáticos e informativos, para uma propagação cultural e histórica da Grã-Bretanha. Sustentada pelo governo através de uma taxa cobrada daqueles que compravam um aparelho de TV, a BBC somente teve permissão de vender espaços publicitários e obter lucro direto de seus programas quando foram criados os canais internacionais na década de 1990. Até então, o lucro extra vinha da venda de sua programação a canais internacionais, bem como com o home video nos anos de 1980 e o surgimento das novas mídias.
A dramaturgia da TV inglesa teve início com a transmissão ao vivo de peças direto dos teatros onde eram montadas. Logo depois passou a adotar a montagem teatral em estúdio, com produções que duravam 30, 60 e 90 minutos. Esses teleteatros foram posteriormente adotando um visual estético cinematográfico, transformando-se em telefilmes. Nesse primeiro momento, esse tipo de dramaturgia foi batizada de TV Drama. Somente em 1950 surgiria a primeira minissérie inglesa, denominada drama serial. Em função disso, o termo serial passou a ser usado para determinar a produção de minisséries, que são mais respeitadas que a produção de séries (as quais são consideradas por muitos críticos britânicos como um ‘fast food’ televisivo).
A Produção de Minisséries Britânicas
A primeira minissérie inglesa de que se tem notícias foi Little Women/Mulherzinhas, exibida entre dezembro de 1950 e janeiro de 1951. Adaptada por Winifred Oughton e Brenda R. Thompson, do livro de Louise Mary Alcott, a produção teve seis episódios de meia-hora de duração. Ela era exibida à tarde para o público infanto-juvenil, estimulando o início da produção do formato também para o público adulto. Assim surgiu em maio de 1951 a minissérie The Warden, também com seis episódios de meia-hora. Adaptada por Cedric Wallis, do livro de Anthony Trollope, a produção deu início à exploração desse formato narrativo que passaria a dedicar-se, basicamente, à adaptação de obras clássicas da literatura.
Justamente por isso, utilizava-se a definição classical serial para minisséries com base nessas obras; já as produções originais que surgiram com o tempo eram denominas serials. Estas surgiram em 1952 com a produção de The Broken Horseshoe, escrita por Francis Durbridge. A história era um thriller com seis episódios de meia hora de duração cada, que em 1953 ganhou uma versão cinematográfica. As minisséries abriram as portas para o surgimento das séries em 1952, com The Appleyards; e das novelas, em 1954, com The Grove Family. A princípio, as séries eram destinadas ao público infantil e as novelas ao público adulto.
A coroação da Rainha Elizabeth II em 1953 fez a venda de aparelhos de televisão aumentar, passando de 2 milhões para 45 milhões ao longo de dois anos. A popularização do veículo promoveu o surgimento da TV comercial em 1955, que dedicou-se mais à produção de séries que de minisséries ou teleteatros e telefilmes.
Prevendo o surgimento da concorrência, a BBC passou a explorar com mais frequência a produção de séries e de minisséries a partir de 1952. Em 1953, estreou a minissérie The Quatermass Experiment, a primeira ficção científica do formato que rompeu padrões da narrativa clássica inglesa, criando um marco na história da TV britânica ao se tornar uma das maiores audiências do canal até então, com cerca de 4 milhões de telespectadores. Foram seis episódios transmitidos ao vivo com poucas cenas filmadas previamente. A história, situada no período da Guerra Fria e da bomba atômica, apresentou a vida de três astronautas que, ao retornarem à Terra infectados por um organismo alienígena, são transformados em enormes criaturas vegetais.
Na década de 1970, a BBC exibiu I, Claudius, um dos grandes sucessos neste formato, que ganhou o BAFTA de melhor produção e até hoje é considerada por muitos críticos como uma das melhores produções de todos os tempos. Adaptação da obra de Robert Graves, de 1934, a história narra a velhice do Imperador Romano Claudius (Derek Jacobi), em 24 A.C. até sua morte em 54 D.C.
Ao longo das décadas, as minisséries tornaram-se uma das principais atrações da TV britânica, sendo exportadas a diversos países. A partir dos anos de 1980, elas começaram a ser disponibilizadas em home video, chegando aos anos 2000 também em DVD e Internet. Em premiações como o Emmy ou Golden Globe, as minisséries inglesas eram muitas vezes as favoritas na disputa com as produções americanas. Muitos críticos as comparam a pequenas obras primas da televisão mundial, capazes de reproduzir com perfeição diferentes períodos, promovendo e propagando a cultura e a história da Inglaterra.
(E-D) Nick Nolte, Susan Blakely e Peter Strauss em Pobre Homem Rico
A Produção de Minisséries nos EUA
A adoção desse formato pela TV americana na década de 1970 serviu como uma forma de concorrer com a produção cinematográfica, oferecendo superproduções com abordagens mais complexas, utilizando cenários grandiosos, fotografia artística e um elenco de peso. O sucesso desse formato influenciou as mudanças narrativas das séries de TV, que passaram a adotar, gradualmente, o desenvolvimento contínuo de situações e histórias.
O interesse dos americanos pelo formato minissérie teve início no final da década de 1960, quando foi exibida a produção inglesa The Forsyte Saga, de 1967, narrando a história da família Forsyte em 20 episódios. A resposta da audiência levou à importação de outras produções nesse formato, como a também inglesa The Six Wives of Henry VIII, pela CBS em 1970, sobre as esposas de Henrique VIII, cada uma retratada em um episódio.
A primeira produção de uma minissérie americana, que se tem notícias, é QB VII, em quatro episódios, da obra de Leon Uris. Na história, um cientista processa um escritor por ter sido apontado como nazista em sua obra. Exibida pela ABC em 1974, a produção ganhou seis prêmios Emmy. No mesmo ano a CBS estreou Benjamin Franklin, produção em quatro episódios. Em janeiro de 1976 o canal PBS estreou The Adams Chronicles, produção em 13 episódios que poderia ser considerada série, visto apresentar uma situação por episódio. Na história, os altos e baixos de uma família com forte influência política. Iniciando com John Adams, um jovem advogado que se tornaria revolucionário e Presidente da República, a história cobriu 150 anos da política americana, acompanhando diferentes gerações da família Adams.
Um mês depois estreou Pobre Homem Rico/Rich Man Poor Man, da obra de Irwin Shaw, que muitos historiadores consideram como a primeira minissérie americana, visto que seu sucesso foi o que deu, de fato, início à produção contínua deste formato na TV americana. Com um total de 12 episódios (transformados em oito de 1h30) a produção foi exibida pela rede ABC. A história narrava a saga de uma família entre as décadas de 1940 e 1960. A minissérie teve uma sequência que finalizou a trama no ano de 1968.
Em 1977 estrearia uma das produções de maior sucesso na história da TV americana, dentro do formato minissérie: Raízes, adaptada da obra de Alex Haley. O autor, que passou 12 anos pesquisando sua árvore genealógica, conta a história de sua família, que teve início na África com a captura de Kunta Kinte (LeVar Burton), vendido como escravo nos EUA. Passando pela Guerra Civil e pelas duas Grandes Guerras, a história ganhou o apoio do Departamento de Marketing da ABC, que divulgou a minissérie em escolas, centros comunitários e igrejas promovendo debates sobre a situação do negro na cultura americana. Considerada um sucesso isolado, pensava-se que a minissérie, vista por 130 milhões de telespectadores, reinaria sozinha por muito tempo. Mas, no ano seguinte, a NBC estreou Holocausto, produção que narra a história de uma família judia durante a 2ª Guerra Mundial. Vista por cerca de 120 milhões de telespectadores, esta minissérie estabeleceu a produção do formato na TV americana.
Ao longo da década seguinte, a produção de minisséries se tornou contínua na TV americana. Desprendendo-se das adaptações literárias ou histórias reais, o formato também fez surgir roteiros originais, alguns dos quais foram, posteriormente, transformados em séries de sucesso, como Família, de Aaron Spelling, ou em séries fracassadas, como V – Os Extraterrestres no Planeta Terra.
Richard Chamberlain com (E-D) Jean Simmons,
Rachel Ward e Barbara Stanwick em Pássaros Feridos
Na década de 1980, a TV americana ofereceu sucessos como Pássarios Feridos (sobre um Padre que se apaixona por sua pupila) eShogun (sobre um navegador britânico vivendo no Japão feudal), ambas estreladas por Richard Chamberlain, que foi coroado o Rei das Minisséries; bem como o primeiro serial killer a estrelar uma produção seriada para a TV. Mark Harmon, que estrelou The Deliberate Stranger, interpretou Ted Bundy, um assassino em série que existiu na vida real.
A produção de minisséries foi uma das responsáveis por atrair profissionais do cinema para a televisão. Podendo desenvolver um conteúdo mais rico, tanto de roteiro quanto de fotografia, com um investimento maior e sendo um produto de curta duração, mais cineastas, roteiristas, atores, compositores e editores migraram para a TV. O formato também serviu como porta de entrada para muitos jovens talentos que buscavam um lugar na indústria cinematográfica.
Mas, apesar do sucesso conquistado nas duas primeiras décadas de produção, as minisséries perderam terreno na rede aberta da década de 1990. Considerando o crescimento da produção seriada (com séries apresentando histórias contínuas), bem como o alto custo das minisséries, um formato de curta duração que desenvolve temáticas polêmicas com maior profundidade, a TV aberta precisaria de uma grande audiência para compensar o investimento. Assim, esse formato praticamente desapareceu da rede aberta.
Por outro lado, com o início da produção original da TV a cabo, o formato se transformou em uma alternativa para oferecer aos assinantes (muitos dos quais fãs de cinema) produções bem desenvolvidas, de curta duração e com poucos ou nenhum, intervalo comercial. Desta forma, a produção de minisséries migrou para a TV por assinatura onde, em 1998, estreou Da Terra à Lua/From Earth To The Moonsegunda produção nesse formato oferecida pela HBO. A primeira foi Laurel Avenue, minissérie em dois episódios sobre uma família negra americana, exibida em 1993 (alguns historiadores consideram Tanner ’88 como minissérie em 11 episódios, mas o próprio canal divulgou essa produção como série).
Influenciado pelo documentário The Civil War, de Ken Burns, o ator e produtor Tom Hanksestava interessado em levar para a TV a história do programa espacial Apollo, que seria narrado por diferentes pontos de vista em meio aos eventos históricos da década de 1960. No entanto, Hanks não queria levar sua produção para a rede aberta, porque achava que os intervalos comerciais a cada vinte minutos prejudicariam o ritmo da história e seus momentos de tensão, o que poderia afetar o interesse do telespectador em acompanhar a trama. Enquanto isso, a HBO, interessada em atrair Hanks, ofereceu a ele liberdade criativa total e 40 milhões de dólares para produzir From Earth to The Moon. Um valor extremamente alto para a época, e para um canal a cabo. Mas vale lembrar que, ao final da produção, seu custo chegou a 68 milhões (e mais dez milhões de divulgação).
Cada episódio de From Earth to the Moon, introduzido por Hanks, oferecia situações históricas retratadas sob a ótica dos envolvidos (astronautas, técnicos da NASA e as esposas daqueles que seriam enviados à Lua) em contraste com as mudanças sociais e políticas pelas quais o país passava na década de 1960, sendo que cada episódio fazia uso de estilos narrativos e estéticos diferentes, o que fez parecer que cada episódio era um filme diferente sobre o mesmo tema.
(E-D) Cary Elwes (como Michael Collins), Tony Goldwyn (como Neil Armstrong) e
Bryan Cranston (como Buzz Aldrin) em From the Earth to the Moon

Os dois primeiros episódios retratam os programas Mercury e Gemini, bem como o lançamento da Apollo 1, que matou três astronautas, levando à suspensão por dezoito meses dos trabalhos, para que o governo pudesse realizar uma investigação em torno do acidente. O terceiro episódio, que faz uso da narrativa documental, apresenta os trabalhos em torno da Apollo 7; o episódio quatro apresenta o lançamento da Apollo 8, intercalado com os movimentos civis e políticos que ocorriam na época. Os episódios cinco e seis apresentam as estratégias criadas pela NASA para descer na Lua, culminando com o pouso da Apollo 11. O episódio sete trata a rotina de trabalho dos tripulantes da Apollo 12 em contraste com o crescente desinteresse do público pelo programa espacial. O episódio oito foca no resgate da tripulação da Apollo 13, bem como a cobertura jornalística que, neste período, estava passando por uma transição: de uma abordagem científica e didática para uma narrativa mais sensacionalista. Os episódios nove e dez acompanham Alan Shepard (Ted Levine) assumindo o comando da Apollo 14. No episódio onze, vemos as vidas das esposas dos astronautas e a forma como elas lidam com a tensão de ver seus maridos serem enviados ao espaço. A minissérie encerra com o episódio doze, apresentando a tripulação da Apollo 17.
O sucesso de From Earth to The Moon deu início à produção contínua de minisséries na TV a cabo, onde a HBO passou a dominar o formato oferecendo títulos que geralmente são sucessos de crítica e de prêmios. Na década de 2000, a HBO se consolidou na produção do formato com títulos como Band of BrothersAngels in AmericaThe Pacific e John Adams. Com o passar dos anos, tornou-se quase uma obrigação dar à HBO o prêmio Emmy de melhor minissérie.
Atualmente, muitas séries conseguem competir em pé de igualdade com as minisséries em termos de qualidade técnica, de cenários, figurinos, direção e roteiros. Mas as minisséries ainda são uma das grandes responsáveis por trazer para a televisão nomes importantes do cinema, muitos dos quais preferem trabalhar com este formato (mais curto) a fazer série de TV.
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Compilação de dois textos publicados em 2008 e 2013 nos blogs Revista TV Séries, onde fui colunista entre 2006 e 2010; e Nova Temporada, da VEJA.com, onde fui colunista entre 2010 e 2016.

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