Minissérie Shogun no TCM
Após a morte do Lorde Protetor do Japão no século 17, o país começa a dividir-se. De acordo com o testamento do líder morto, o Conselho de Regentes, formado por cinco lordes guerreiros, deve comandar a nação até o herdeiro atingir a maioridade. Entre os regentes estão o visionário Toranaga, chefe do oeste, e Ishido, seu belicoso rival.
É nesse momento volátil que chega ao Japão o ambicioso navegador inglês John Blackthorne, um mercador cujo objetivo é acabar com o monopólio de Portugal, que controla o comércio entre o Japão e a China. Blackthorne, primeiro inglês a atravessar o Estreito de Magalhães, e sua tripulação de oito homens, naufragam perto de uma aldeia dominada por Yabu, um dos asseclas de Toranaga. Para os japoneses, ele não passa de um bárbaro transparente nos sentimentos e fácil de manipular por causa da preocupação exagerada com a própria vida. Eles o chamam de Anjin (navegador). O fato de ser protestante agrava sua recepção, pois as ilhas já contam com a presença de ocidentais católicos, que vêem no inglês uma ameaça a seu lucrativo intercâmbio de ouro e prata pelo Oriente.
Após a prisão de Anjin e sua tripulação, ele é o único transportado à sede do governo, em Osaka, onde é poupado por Toranaga, que ficara fascinado pela velocidade e pelo poder de fogo do navio inglês. Prevendo seu iminente embate com Ishido e os jesuítas, ele decide usar os conhecimentos de Anjin como navegador e construtor de navios. Eventualmente, Anjin é nomeado hatamoto, ajudante de confiança do lorde, e depois é transformado em gai-jin, primeiro samurai não japonês. Durante esse período, ele aprende a cultura do país com a ajuda de Mariko, uma dama samurai, por quem se apaixona. Quando Ishido é derrotado, Toranaga emerge vitorioso como Shogun, o ditador militar supremo, e Anjin alicerça sua posição de mais fiel aliado.
Por mais de uma década, o novelista, roteirista e produtor James Clavell trabalhou neste projeto, que começou como romance e culminou em uma grandiosa minissérie com 12 horas de duração, estrelada pelo Rei das Minisséries, Richard Chamberlain, em 1980, na NBC. Exatamente por causa do tempo gasto no livro, Clavell preferiu passar adiante a tarefa de transpor sua obra para a TV. “Eu conheço muito bem a estória e fica muito difícil editar meu próprio trabalho.” Declarou o escritor na época. Após algumas tentativas frustradas, o trabalho chegou às mãos do experiente Eric Bercovici, que já havia transformado outros livros em filmes, entre eles Flesh and Blood, The Top of the Hill e Washington: Behind Closed Doors.
Com a missão de cortar metade do conteúdo presente no livro sem perder a essência dos personagens nem das cenas dramáticas, Bercovici chegou ao âmago de Shogun contando a estória pela perspectiva de Blackthorne, removendo as intrigas políticas que não envolvessem o personagem. Essa economia de tempo e dinheiro agradaram Clavell. Ele completou a equipe, contratando o diretor Jerry London (Guerra, Sombra e Água Fresca/Hogan’s Heroes) e um grupo-chave de técnicos americanos.
Jerry London
Tudo estava pronto para a viagem ao Japão, mas para Chamberlain a questão era convencer James Clavell a lhe dar o papel. O novelista tinha em mente os britânicos Albert Finney e Sean Connery e não imaginava o Dr. Kildare interpretando Anjin. Os testes com Chamberlain, no entanto, o fizeram mudar de opinião. A conquista foi tanto uma realização pessoal quanto um desafio profissional, pois Chamberlain e Blackthorne ficavam constantemente cercados de pessoas que só falavam japonês. Essa sensação de abandono em meio ao desconhecido foi compartilhada pelo público, que ficava a mercê de Blackthorne para entender uma estória contada em um idioma completamente estranho. Chamberlain era o único americano em um elenco também composto por 15 europeus, 28 japoneses em papéis importantes, e milhares de extras locais. Embora a equipe técnica tivesse 30 americanos, a maior parte dos trabalhos era desempenhada por japoneses.Com relação ao idioma, a Paramount inicialmente pretendia utilizar uma tradução simultânea sobre as vozes dos atores japoneses, mas Bercovici recusou a ideia, bem como a utilização de legenda, porque tais métodos comprometeriam o impacto dramático da trama.
Para interpretar Toranaga, foi contratado o ator internacionalmente conhecido, Toshiro Mifume, que viu no papel a missão de tornar Shogun um retrato autêntico de seus país e introduzir sua história e cultura às plateias do mundo. Com isso em mente, ele trocou muitas ideias com o diretor, Jerry London. O resultado seria a recriação precisa de uma época, talvez com poucas exceções. De acordo com a tradição, por exemplo, os samurais daquele tempo deveriam raspar a cabeça. Mas como a produção temia que Toranaga parecesse muito estranho ao público americano, ele manteve o cabelo.
Produzir uma minissérie americana tão longe de casa, naquela época, provou ser um enorme desafio. De 4 de junho a 11 de dezembro de 1979, a equipe acostumada às facilidades de Hollywood lutou com as enormes barreiras idiomáticas e com uma indústria cinematográfica precária. O resultante choque de culturas fez a produção passar do orçamento, indo de 13 milhões para vinte. Além disso, frequentemente era difícil liberar áreas como cais, campos e castelos para as filmagens sem atrair o descontentamento de pescadores, fazendeiros e até da polícia. Após muito incômodo de ambas as partes, a produção fez uma contribuição de 25 mil dólares ao sindicato dos pescadores.
A produção também atraiu a ira de moradores de um bairro residencial em Tóquio, durante as filmagens noturnas do desastre do Erasmo, navio de Blackthorne. O enorme cenário montado em um tanque no Toho Studios tornou-se alvo de diversas reclamações por causa do barulho provocado pelo mecanismo que simulava ventos, tempestades e ondas. Em uma tentativa de aplacar a ira dos moradores, Clavell e Mifume pediram desculpas e os convidaram a visitar o estúdio. Mas as queixas cessaram apenas quando Clavell os presenteou com garrafas de saquê. A natureza também contribuiu com tufões, desmoronamentos e muita chuva.
E como vencer a barreira do idioma? Com intérpretes, claro. Mas a velocidade desta troca de informações não satisfazia a equipe americana, que com frequência também se aborrecia com o curioso hábito dos japoneses de realizar conferências para debater as instruções inesperadas. Filmar nestas condições tornou-se difícil, particularmente em cenas navais. Durante uma sequência envolvendo diversas embarcações no largo de Nagashima, por exemplo, a transmissão de instruções através de walkie-talkies transformou a cena em uma comédia pastelão, com barcos virando e colidindo uns nos outros.
Outro transtorno digno de um “falha nossa” ocorreu quando Jerry London finalmente conseguiu comunicar a um grupo de 35 extras japoneses que deveriam disparar seus mosquetes quando ouvissem Blackthorne proferir a palavra now (agora). Em seguida, Chamberlain apareceu no cenário e perguntou ao diretor quando ele deveria dizer now. Imediatamente, os extras dispararam suas armas.
Talvez o maior problema enfrentado em Shogun foi encontrar a atriz para interpretar Mariko. A busca por uma atriz japonesa jovem e bonita que falasse inglês estendeu-se por semanas durante as filmagens, e quase provocou uma parada na produção, até que Yoko Shimada apareceu. Embora seu inglês não fosse fluente, ela foi capaz de melhorar seu desempenho com a ajuda de um professor e conseguiu transmitir a noção de subserviência feudal e da força samurai, ao mesmo tempo em que mostrou o fascínio oriental necessário para seduzir Blackthorne.
Apesar dos muitos obstáculos, London concluiu as filmagens em seis meses, três dias antes do esperado, voltando para casa com 125 horas de material filmado. Então, Maurice Jarre ficou com a tarefa de compor a trilha, enquanto Orson Welles fez a narração. Todo o esforço foi recompensado com o enorme sucesso alcançado pela minissérie nos Estados Unidos. As pesquisas indicaram 42% de audiência em Nova Iorque e 70% em São Francisco, sendo igualmente bem-sucedida na Europa. Conquistou diversos prêmios Emmy, Golden Globe e People’s Choice, entre outros. Ela só enfrentou o gosto do fracasso em sua versão compacta destinada ao cinema.
“Shogun foi uma produção gigantesca. Assim como E o Vento Levou/Gone with the Wind, filme com o qual foi comparado, Shogun absorveu mais tempo, dinheiro e esforço do que qualquer outro filme já criado até a época.” Frank Cardea (produtor associado).
Conheça ou reveja essa emocionante aventura a partir deste domingo às 20h no TCM.
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