O Que São Séries Cozy?

Angela Lansbury em
Assassinato por Escrito
 (Foto: Universal/Arquivo)
Por Fernanda Furquim

Ao longo de sua trajetória de fã, já ouviu falar de ‘série cozy’? Este é um termo mais utilizado na Inglaterra, embora também seja conhecido nos EUA. Sua definição é bem simples. Trata-se de um termo usado para definir histórias com abordagem leve sobre temas pesados, situadas em um ambiente acolhedor, com protagonistas simpáticos (em sua maioria) e com moral elevada.
O termo cozy (confortável, acolhedor) surgiu na literatura policial do Século XX, tendo como uma de suas grandes representantes a ‘Rainha do Crime’ Agatha Christie. Originalmente, nas histórias de mistério cozy, o mais importante era responder: quem cometeu o crime, por que e de que forma (por vezes, onde). Questões como a dor da perda, detalhes sobre autópsia ou debates morais sobre o crime (ou seus motivos) não eram levados em consideração, sendo que os crimes não eram cometidos por assassinos em série ou psicopatas.
Com o passar dos anos, este ‘sub-gênero’ se dividiu em duas linhas: a que se mantém fiel às suas origens, e aquela que traz um pouco mais de densidade à abordagem de temas pesados, incluindo palavrões, descrição moderada de relacionamentos sexuais, um pouco mais de violência e protagonistas com um certo nível de questionamento moral (mas não o bastante para colocar suas intenções em dúvida, como ocorrem em dramas com uma abordagem mais complexa e profunda).
Nas regras de um mistério cozy tradicional, a protagonista é geralmente uma mulher que exerce outra profissão, ou mantém um estilo de vida que nada tem a ver com a polícia, mas que banca a detetive amadora quando a situação exige. Sua inteligência, perspicácia, postura irreverente (por vezes cômica) e diversas habilidades a levam a ser mais esperta que o detetive responsável por investigar o crime. As histórias são situadas em uma pequena comunidade do interior (ou no subúrbio de uma grande cidade), onde os detalhes do dia a dia de seus habitantes são apresentados para o público, o que faz com que ele rapidamente se conecte afetivamente com esses personagens (muitas vezes excêntricos), que vivem em um ambiente acolhedor no qual o público gostaria de morar.
Neste ambiente, ocorre um crime que será investigado pela detetive amadora que ‘por acaso’ estava por perto ou conhecia a vítima ou pessoas envolvidas com o caso. Ela terá a companhia de uma melhor amiga, marido, noivo, namorado, empregado, ou até mesmo o próprio detetive que investiga o crime, ou o médico legista, ou um dos policiais, mas sempre será alguém em quem ela possa confiar plenamente e que poderá (de alguma forma) ajudá-la a ter um contato direto com as investigações oficiais. Por outro lado, o detetive que investiga o crime pode ou não aceitar de bom grado o auxílio da amadora que está ‘bisbilhotando’ seu trabalho e lhe dizendo o que fazer.
David Suchet como Hercule Poirot (Foto: ITV/Arquivo)
As pistas sobre o crime são oferecidas ao público ao longo da apresentação do ambiente e dos personagens, podendo começar a ser introduzidas antes do crime ser cometido/descoberto. Este, por sua vez, não é apresentado ao público, ao menos não em detalhes, sendo rápido, indolor e sem requinte de crueldade. O quebra-cabeça do mistério, as excentricidades dos personagens envolvidos, a inteligência da protagonista e o ambiente acolhedor são as peças que sustentam a trama e entretêm o público.
No caso da segunda linha que surgiu dentro do mistério cozy, as regras mudam, mas a abordagem leve de temas pesados com histórias situadas em um ambientes acolhedor e protagonistas de moral elevada se mantêm.
Neste caso, não existe a obrigatoriedade da investigação ser conduzida por uma mulher que banca a detetive amadora. O crime pode ser investigado por um homem e a história pode até mesmo ser conduzida por um detetive particular ou pelo próprio detetive encarregado do caso, mas ele ainda terá uma pessoa próxima para auxiliá-lo (podendo este ser uma mulher ou homem, amador ou não). Nesta linha também estão as histórias protagonizadas por um casal de detetives amadores.
O ambiente, embora ainda seja acolhedor, pode ter um certo tom sombrio e intimista, sendo que existem casos em que o(s) protagonista(s) trabalha(m) em uma cidade grande; questões morais e sociais podem ou não ser abordadas a um nível médio de profundidade. Mas tanto os personagens como o ambiente precisam se conectar rapidamente com o público.
Nas duas linhas, as pistas precisam ser coerentes com os personagens e ambiente, sendo apresentadas ao longo da trama, sem exageros e ‘invencionices’  de última hora. Em outras palavras, nada de Deus ex machina.
Ao longo dos anos, o cozy também se estendeu a outros gêneros como por exemplo os dramas médicos, históricos e de ficção científica que respeitam sua definição: histórias com narrativas leves sobre temas pesados, situadas em um ambiente acolhedor, com protagonistas (em sua maioria) simpáticos e com moral elevada, o que faz com que estas produções possam ser acompanhadas por todos, podendo ou  não ser aplicadas à risca as mesmas regras utilizadas pelo gênero mistério.
Mark Williams em Father Brown (Foto: BBC/Arquivo)

O cozy tem uma legião de fãs espalhados pelo mundo, tendo sido rapidamente adotada pelas séries de televisão que, na década de 1950, tinha como regra oferecer entretenimento para toda a família. No entanto, quando migrou par a TV, as séries fizeram um caminho inverso (ao menos nos EUA) do da literatura. Considerando que levou quase duas décadas para a mulher começar a protagonizar suas próprias séries de mistério (com algumas exceções no meio do caminho), a abordagem deste gênero na TV começou com a segunda linha e não com a tradicional.
Na década de 1950, vimos detetives amadores (Mr. and Mrs. North, The Thin Man, The Adventures of Ellery Queen) e advogados (Perry Mason) solucionando casos em cidades grandes ou pequenas, tendo como auxiliares suas secretárias ou outros colegas (com exceção de Mr. and Mrs. North e The Thin Man, que foram precursoras de Casal 20, outra série cozy).
Na década de 1970, a linha tradicional começou a ser explorada, com produções como Sra. Columbo (sendo que Columbo também poderia ser enquadrada como cozy, embora não siga à risca as regras), As Irmãs Snoop/The Snoop Sisters, Nancy Drew e As Audaciosas/The American Girls, entre outras.
Nathan Page e Essie Davis em “Miss Fisher’s Murder Mysteries’ (Foto: Australian Broadcasting Corporation/Arquivo)

As séries cozy atingiram seu auge nos anos de 1980 quando estreou sua representante mor: Assassinato por Escrito/Murder She Wrote, que se enquadra dentro do cozy tradicional. Estrelada por Angela Lansbury, a história acompanhava a escritora de mistério Jessica Fletcher, que vivia na pequena cidade costeira de Cabot Cove. Ela iniciou sua trajetória investigando diversos casos locais, mas, considerando que ela viajava para promover seus livros, ‘os crimes a acompanhavam’, onde quer que ela fosse.
Na mesma década, na Inglaterra, estreava Miss Marple, Poirot e Partners in Crime: The Tommy & Tuppence Mysteries, representantes cozy criados por Christie. Na terra da rainha, onde o termo é melhor explorado pela TV (tanto o tradicional quanto o não tradicional), também surgiram Midsomer Murders, New Tricks, Hetty Wainthropp Investigates, Hamish Macbeth, Rosemary & Thyme, Doc Martin, Death in Paradise, Dalziel & Pascoe, Pie in the Sky, Father Brown, Grantchester, Endeavour, George Gently, Inspector Lynley Mysteries, Jonathan Creek, Mapp and Lucia, Lewis, Inspector Morse, Murder in Suburbia, A Touch of FrostThe Last Detective, The Coroner, Agatha Raisin, Sherlock Holmes (versão anos 80) e muitas e muitas outras.
Entre outras produções que se enquadram no termo cozy (tradicional e não tradicional) estão as australianas Miss Fisher’s Murder Mysteries, The Doctor Blake Mysteries, Mr. & Mrs. Murder; a austríaca Comissário Rex, as canadenses Rumo ao Sul/Due SouthMurdoch Mysteries, The Pinkertons, Houdini and Doyle; as americanas The No. 1 Ladies’ Detective Agency, Contratempos/Quantum Leap, Diagnosis Murder, Monk, Psych, Firefly, Forever, Pushing Daisies, Gilmore Girls, entre muitas outras, incluindo as produções originais do Hallmark, um canal cozy.

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