Breaking Bad Despede-se do Público


Por Fernanda Furquim

Neste final de semana, a série Breaking Bad fez sua despedida, encerrando a trajetória de Walter White, o professor de química que, ao descobrir sofrer de câncer, passa a fabricar drogas para poder deixar dinheiro para sua família. Ao longo do caminho, ele redescobre o prazer de estar vivo, se torna obcecado pelo poder e destrói a vida de todos aqueles que o cercam. Vince Gilligan, o criador da série, dizia que seu principal objetivo era oferecer uma história na qual o público pudesse acompanhar a transformação do herói em vilão. Esta mudança se deu ao longo de cinco temporadas, mostrando a cada passo dado por Walter as razões pelas quais ela ocorria.

Este texto contém spoilers.
Mantendo o foco em seu objetivo, Walter justificou para si mesmo, seus colegas e sua família, cada decisão que tomou. No fim, reconheceu que, tudo o que fez, ele fez por ele. Pelo prazer de saber que podia, pelo prazer de ver que conseguia e pelo prazer que tudo aquilo lhe dava de viver. Ainda assim, Walter permaneceu obcecado em realizar seu objetivo inicial: garantir a sobrevivência de sua família. Agarrando-se a esta ideia até o final, Walter manteve-se vivo tentando perseguir um sentido moral que o diferenciava dos criminosos com os quais lidava.
Esta diferença se tornou ainda mais evidente nos últimos episódios da série, quando os roteiristas começaram a conduzir a trama para o seu final. No momento em que a família de Todd assume o comando da situação, Gilligan mostra para o público que, se as coisas eram ruins com Walter, pior sem ele. A família de Todd não tem relação afetiva com os personagens que fazem parte do mundo de Walter, nem tampouco a necessidade de buscar uma justificativa moral para seus atos. Eles são criminosos.
Encaminhando a trama para seu duelo final, Gilligan tirou Walter de seu leito de morte para limpar a cidade e salvar aqueles que estão em perigo (por sua causa). Gilligan não conseguiu manter a transformação de Walter. No fim, ele tornou-se herói. Não o tipo de herói bonzinho, com a moral elevada e sacrificando-se em nome do bem mas, ainda assim, herói. Em sua missão de vingança ele fez o bem.
Foi um final satisfatório, como prometido por Gilligan, mas não necessariamente bom. O episódio serviu para aparar as arestas e dar um fim à história. Gilligan facilitou a vida de Walter, permitindo que ele fosse bem sucedido em seu plano, sem passar por qualquer tipo de dificuldade. Desta vez, não ocorreu nenhuma situação inesperada que forçasse Walter a elaborar rapidamente um plano B. Sozinho, tudo que Walter planejou deu certo.
Desde a morte de Hank, a polícia desapareceu da história. Depois que Walter garantiu a Skyler sua liberdade, a polícia é apenas mencionada. Sabemos que ela está à caça de Walter, mas sua participação no desfecho da série não passa disso. Fugindo da justiça, se escondendo e tentando sobreviver, Walter não tem nada a temer. Ao voltar para casa, ele não tem o menor problema em circular livremente pela cidade, chegando facilmente nos lugares que deseja e falar com quem precisa.
Walter

O final da série inicia com uma situação que merecia ser desenvolvida em um único episódio. Walter reencontra Gretchen e Elliott, o casal milionário que fez sua fortuna no ramo farmacêutico e que chegou a se oferecer a pagar as custas do tratamento médico de Walter no início da série. Este recusa-se, por não aceitar caridade. A história dos três não chegou a ser desenvolvida (embora eles representem o início de tudo), ficando apenas a ideia do que tinha ocorrido para levar Walter a se afastar da sociedade sem receber sua parte nos lucros da empresa.
O casal retornou à história a pedido de um fã. Em fase terminal de câncer, o rapaz conheceu Gilligan, que perguntou a ele o que gostaria de ver no final de Breaking Bad. Este respondeu que gostaria de rever Gretchen e Elliott. Assim, o casal reaparece no final do penúltimo episódio, levando Walter a procurá-los. Não para se vingar do que eles tinham feito, não para cobrar satisfações, mas para exigir deles sua colaboração. Walter dá a eles o resto do dinheiro que guardou, cerca de 9 milhões de dólares, com a condição de que utilizem o dinheiro para garantir o futuro de seus filhos, Walter Jr. (que voltou a adotar o nome de Flynn) e Holly. A ideia é boa, mas a ameaça que ele faz para garantir a colaboração do casal é incrivelmente fraca. Walter convence os dois que eles ficarão eternamente na mira de assassinos profissionais caso não cumpram com o acordo.
Walter não teve problemas para chegar na casa em que Gretchen e Elliott moram, nem tampouco para sair do local. Também não teve problemas de chegar em Skyler ou de executar seu plano de vingança, o qual deu à sua família segurança e paz. Tudo funcionou conforme planejado. Walter termina seus dias sob seus termos. Para uma série que desafiou a moral, Breaking Bad ofereceu um final moralista. Nada contra a conduta moral, muito pelo contrário, mas não era essa a proposta da série...ou será que era? 
Embora Walter tenha escapado da justiça, na sua vingança, ele faz o bem. Walter salvou Jesse, matou todos os bandidos, incluindo Lydia, e garantiu a segurança de sua família (financeira e física). No processo, foi punido, perdendo tudo aquilo que amava: sua família, seu trabalho (se é que pode ser classificado desta forma) e sua vida, deixando para trás pessoas emocional e psicologicamente destruídas por sua existência.
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Texto originalmente publicado em 2013, no blog Nova Temporada da VEJA.com, onde fui colunista entre 2010 e 2016.

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