As Origens e o Legado de Chumbo Grosso

Elenco de Chumbo Grosso (E-D):
Veronica Hamel, Taurean Blacque,
Rene Enriquez, Kiel Martin, Michael Conrad,
 Michael Warren e Daniel J. Travanti.
Por Fernanda Furquim

No início de abril, o roteirista e produtor Steven Bochcofaleceu aos 74 anos de idade, vítima de leucemia. Ele foi um dos grandes nomes da TV americana nas décadas de 1980 e 1990. O aspirante a autor teatral chegou na TV no final da década de 1960, quando foi contrado pela Universal, para compor o quadro de roteiristas do estúdio. Em 1978, ele foi para a MTM Enterprises, produtora na qual trabalhou por cerca de sete anos. Foi no período em que fez parte do quadro de roteiristas e produtores da MTM que Bochco criou Chumbo Grosso/Hill Street Blues, uma das séries que marcaram a história da TV americana, deixando um legado que é percebido até hoje.
Embora tenha se aventurado com sucesso em produções médicas e jurídicas, foi no drama policial que Bochco fez seu nome ou é comumente lembrado. Este gênero sofreu uma grande transformação através dos anos graças à contribuição de diversas séries que, ao seu modo, marcaram sua própria época, promovendo o surgimento de Chumbo Grosso.
Na década de 1950, por exemplo, as séries policiais eram consideradas programas de puro entretenimento, nos quais temos o policial, ou detetive da polícia, investigando casos com roteiros simplificados e didáticos nos quais eram exploradas a relação herói/bem x bandido/mal. Neste gênero, o drama processual ganhou uma grande referência com Dragnet, série que foi produzida entre 1951 e 1959. Esta era uma adaptação de série radiofônica que também geraria novas versões na TV em 1967, 1989 e 2003, além de filmes. Na linha de Dragnet, temos histórias nas quais os detetives seguem pistas para investigar crimes e prender bandidos, em uma narrativa semidocumental, e eliminando o envolvimento pessoal ou emocional dos personagens em relação aos casos e pessoas que investigavam.
No final desta mesma década surgiu Cidade Nua, adaptação de filme de 1948, que por sua vez foi inspirado no livro fotográfico de  Usher Felling, mais conhecido pelo nome artístico de Wegee. Aqui temos a união entre o drama processual e psicológico. Colocando o criminoso em foco, a série apresentava a vida de uma ou mais pessoas que, por opção ou por acidente, cometia um crime. Os policiais mantinham a personalidade do herói tradicional que se relacionavam emocionalmente com os casos que investigavam, mas ainda mantinham o profissionalismo e a moral intacta. A complexidade psicológica era retratada pelo ponto de vista do criminoso. Nesta série, a figura do policial/detetive ora questionava o sistema, ora questionava a sociedade. Apesar destes questionamentos, sua imagem diante do público era preservada, cabendo ao personagem convidado sofrer o peso dos grandes conflitos e da lei.
Elenco de Chumbo Grosso: (E-D) Rene Enriquez,
James Sikking, Ed Marinaro, Taurean Blacque,
Kiel Martin, Barbara Bosson, Ken Olin, Bruce Weitz,
Robert Prosky, Veronica Hamel e Daniel J. Travanti
Na década de 1960, dominada por noticiários sobre a guerra do Vietnã, movimentos sócio-culturais, o uso de drogas e o aumento da criminalidade, os dramas adultos (de uma forma geral) iniciaram uma revolução na TV americana ao oferecer histórias que questionavam não apenas os direitos e deveres do cidadão (como já era visto na década de 1950), mas também do Estado e sua influência (positiva e negativa) sobre a vida de cada pessoa e segmento social. Assim, surgiram séries que começavam a desconstruir a imagem do herói tradicional, a exemplo de produções como Mod Squad ou mesmo O Rei dos Ladrões (que era um drama leve e de puro entretenimento).
Esta desconstrução se intensificou na década de 1970, especialmente com as topical sitcoms, mas também com algumas séries policiais que diluíam a figura do herói impecável, moralista e infalível. Dentro deste movimento temos heróis ‘ficha suja’, que poderiam ser ex-condenados (Arquivo ConfidencialSwitch e Kaz, que era um drama jurídico) ou corruptos (SérpicoBronk ou a comédia Xerife Lobosendo que as duas primeiras traziam protagonistas lidando com colegas corruptos). Além destas duas vertentes, também existiam produções que seguiam a linha do policial tradicional (KojakStarsky & HutchSão Francisco Urgente) e aquelas que ofereciam personagens que, desafiando o sistema e seus superiores, utilizavam artimanhas para defender a lei (TomaBaretta).
Seguindo esta abordagem de desconstrução, a década de 1970 ofereceu duas produções policiais muito importantes: a comédia Barney Miller e o drama antológico Os Novos Centuriões/Police Story.
A primeira é uma sitcom que introduz um elenco com dez personagens fixos. Vale ressaltar que produções com grande elenco surgiram nesta década com as minissériesépicas, perpetuando-se nos anos de 1980 com as novelas noturnas. Em Barney Miller temos um grupo de policiais que atua em uma delegacia de um bairro barra pesada. A equipe era comandada pelo Capitão Barney Miller (Hal Linden), um sujeito de moral elevada, ético e sensível, que tenta manter a sanidade no ambiente de trabalho e a harmonia entre seus comandados. Aqui temos a fórmula de Cidade Nuaimplementada. Ao invés de focar os dramas pessoais e psicológicos nos criminosos, estas questões são trabalhadas através dos policiais que compõem a equipe de Miller, deixando para este o papel dos detetives de Cidade Nua, ou seja, a função de servir como porto seguro do caos. Entre os policiais estão o Sargento Philip K. Fish (Abe Vigoda), um experiente oficial que está próximo da aposentadoria. Razão pela qual não deseja colocar sua vida em risco por qualquer motivo. Servindo de conselheiro dos demais, ele passa mais tempo resolvendo seus problemas domésticos ao telefone com a esposa e cuidado da saúde. Também temos o ex-oficial da Marinha, o Detetive Stanley Thaddeus Wojciehowicz (Max Gail), um homem preocupado com as questões humanitárias, mas que esconde sua sensibilidade atrás de uma atitude machista. O elenco se completa com uma variedade de policiais, sendo que alguns deles são representantes de diferentes etnias, como a asiática, africana, européia e latina. As histórias giram em torno dos problemas pessoais e profissionais de cada membro do departamento, que lutava contra o baixo orçamento, a burocracia, o desânimo e a criminalidade da região, representada por assaltantes, prostitutas e malucos.
Elenco de Chumbo Grosso (E-D) Rene Enriquez,
Joe Spano, James Sikking, Ed Mariano,
Barbara Bossom, Betty Thomas, Robert Prosky,
Taurean Blacque, Veronica Hamel, Daniel J. Travanti,
 Charles Haid, Dennis Franz e Bruce Weitz
Já em Os Novos Centuriõestemos um drama antológico no qual é apresentada uma história diferente e independente por episódio. A cada semana, o público acompanha uma situação vivida por patrulheiros ou policiais ou detetives ou chefes de departamentos que atuavam em diversas delegacias espalhadas pela cidade de Los Angeles. Em uma semana a série poderia contar a história de um policial corrupto; na outra, de um oficial vingativo; em outra, de um policial infiltrado no mundo do crime; em outra a de um policial que passa por problemas pessoais, os quais afetam seu trabalho; em outra, a de um policial falsamente acusado por um crime; em outra, a de um policial novato em seu primeiro dia de trabalho; e assim por diante, variando em sua estética e desenvolvimento de personagens. Esta série gerou três spinoffs: Police WomanJoe Forrester e Dan Shay.
No início da década de 1980, Fred Silverman, então diretor de programação da NBC, desejava colocar no ar uma série policial com características cinematográficas. Ele então encarregou a produtora MTM Enterprises de desenvolver um projeto que fosse (basicamente) o cruzamento entre Barney Miller e Os Novos Centuriões. Bochco e Michael Kozoll, veteranos com larga experiência no desenvolvimento e criação de dramas policiais, foram encarregados de criar a série. Mas, cansados de trabalhar com séries policiais, a dupla não queria, a princípio, voltar a atuar neste gênero, desejando desenvolver projetos com histórias mais leves. Convencidos pelo estúdio, eles acabaram aceitando e assim surgiu Chumbo Grosso/Hill Street Blues.
As influências de Barney Miller e Os Novos Centuriões são gritantes, mas a série ainda traz elementos de outras produções televisivas que valem a pena mencionar. A série tomou emprestado de Barney Miller seu ambiente de trabalho com um grande elenco e diversidade étnica, etária e de personalidade; o relacionamento entre colegas e dos policiais com o trabalho; bem como os problemas com a burocracia e o baixo orçamento. Também vem dela as situações e comportamentos cômicos e/ou bizarros, além do perfil de alguns personagens, incluindo seu protagonista. Já de Os Novos Centuriões, a série aproveitou a narrativa dramática que explorava a complexidade de diferentes personagens desglamourizados, e por vezes injustiçados, vivendo em um ambiente depressivo e violento, o que permite um comportamento duvidoso ou questionável. Em termos estéticos, a série explorou a linguagem documental com a câmera em movimento acompanhando personagens na delegacia, com conversas cruzadas e por vezes incompletas.
Chumbo Grosso também sofreu a influência das novelas noturnas americanas, o que é compreensível, considerando que este gênero ganhou impulso no final da década de 1970 com o sucesso de Dallas, produção que surgiu graças à boa receptividade das minisséries com suas histórias contínuas e grande elenco (no caso das produções épicas). Nos EUA, a narrativa das novelas  trabalha com uma grande quantidade de personagens e tramas, as quais nem sempre se cruzam e trazem uma abordagem melodramática. Assim, enfatizando o lado pessoal dos personagens (que muitas vezes eram mais importantes que o trabalho) e acumulando uma quantidade exagerada de casos investigados ou atendidos pela polícia (cerca de quatro a cinco por episódio) Chumbo Grosso acabava fugindo da realidade e muitas vezes tratava dramas humanos de forma melodramática. O realismo mesmo ficava por conta da complexidade dos personagens, das situações propostas e dos temas abordados, muitos deles tabus como questões religiosas, étnicas, morais e sexuais. A narrativa serializada era melhor apresentada na vida dos personagens, enquanto que boa parte das investigações era retratada com começo, meio e fim por episódio.
(E-D) Michael Warren, Veronica Hamel, Daniel J. Travanti, Michael Conrad e Bruce Weitz.

Apesar do grande elenco (a série inicia com treze personagens fixos), Chumbo Grosso ainda se apoiava na figura de um protagonista, neste caso, o Capitão Frank Furillo (Daniel J. Travanti), cujo perfil é quase o mesmo de Barney Miller. Furillo é a figura tradicional do herói, uma pessoa de moral e ética elevadas, que tenta manter a calma dentro de um ambiente caótico, atuando em prol do bem comum, dedicado ao trabalho, e muitas vezes dispostos a auxiliar desajustados e delinquentes que tenham perdido o rumo. Divorciado, ele ainda mantém contato com a esposa Fay (Barbara Bossom), com quem tem um filho pré-adolescente. Fay, que aparece ora como elemento cômico, ora dramático, continua mantendo Furillo preso a um ambiente doméstico ao levar-lhe problemas relacionados ao dia a dia da casa, de seu filho e seus próprios conflitos pessoais. Estes momentos também remetem à série Barney Miller, na qual temos um chefe de polícia casado e com dois filhos, que mantinha com a esposa Elizabeth (Barbara Barrie), uma assistente social, o mesmo tipo de diálogo que Furillo e Fay.
Em Chumbo Grosso, Furillo mantém um relacionamento com a advogada Joyce Davemport (Veronica Hamel), que representa a figura feminina da década de 1980, ou seja, aquela mulher que conquistou um espaço importante no ambiente de trabalho, mas que ainda precisa se impor e criar limites para ser respeitada. Razão pela qual ela demora a assumir publicamente seu relacionamento com Furillo, com quem se casa na terceira temporada.
Juntas, Joyce e Fay são Elizabeth (da série Barney Miller), uma mulher pragmática e equilibrada (como Joyce), preocupada em manter Barney com os pés na realidade da vida doméstica e familiar, afastando sua mente do trabalho, mesmo que por breves momentos (como Fay). Se não me engano, Barney e Elizabeth chegam a se separar na quarta temporada, porque ela não aguenta a pressão de viver com um policial. Os dois voltam a morar juntos na temporada seguinte.
Betty Thomas e Ed Marinaro
Outra personagem feminina de destaque é a Sargento Lucille Bates (Betty Thomas), que trouxe para a série uma abordagem diferenciada daquela que se perpetuou entre as policiais e detetives femininas da década de 1970. Em Police Woman (a principal série policial estrelada por uma mulher na época), a Sargento Pepper (Angie Dickinson) é uma mulher dona de seu próprio espaço que sabe se impor, mas ainda se coloca dentro do universo masculino, aceitando suas brincadeiras e formas de tratamento, chegando a utilizar seu potencial de sedução como ferramenta tanto nas investigações de casos como no convívio com seus colegas. Bates se apresenta como Pepper, ou seja, uma mulher que conhece seu potencial como profissional e capaz de se impor mas, ao contrário de Pepper, ela não aceita preencher as expectativas dos colegas masculinos. Bates impõe suas próprias regras na forma de tratamento, não aceitando brincadeiras ou comportamentos machistas. Aos poucos, sua conduta a leva a conquistar o respeito de seus colegas, que a tratam como igual, mas sem obrigá-la a se submeter aos tratamentos sexistas.
A série também trouxe vários policiais que entraram na trama, viveram suas histórias e desapareceram (mortos, transferidos, promovidos ou simplesmente colocados em pano de fundo até sumirem de vez), lembrando muito a narrativa antológica de Os Novos Centuriões. Alguns destes policiais, incluídos na história apenas para morrer (à la camisa vermelha de Jornada nas Estrelas), acabaram conquistando seu espaço e entrando para o elenco recorrente ou fixo. Este é o caso dos policiais Andy Renko (Charles Haid), um machista que deveria morrer no final do episódio piloto; e Joe Coffey (Ed Marinaro), que deveria morrer na primeira temporada, mas foram salvos pelos produtores e se tornaram parte do elenco regular. Vale ressaltar que o perfil de Renko remete ao de Wojciehowicz, detetive de Barney Miller, um sujeito sensível porém machista.
Além dos policiais, a série também contava com membros de gangue que fizeram participações recorrentes, a exemplo de David Caruso e Danny Glover, que deram vida a Tommy Mann, líder de uma gangue irlandesa, e Jesse John Hudson, líder de uma gangue formada por negros, respectivamente.
Ao longo da série ainda é possível detectar influências de M*A*S*H, como nas cenas da delegacia onde o Sargento Philip Esterhaus (Michael Conrad, que faleceu durante a produção) apresenta aos policiais a ordem do dia antes deles saírem para a patrulha do bairro. Estes momentos, em que temos conversas cruzadas abordando questões profissionais e pessoais de cada personagem ou grupo, com cada um fazendo o que bem entende sem necessariamente prestar atenção à voz de comando, e que em várias ocasiões foram utilizados para introduzir situações cômicas independentes (que não tiveram continuidade na trama), lembram as cenas do refeitório e da sala de operações da sitcom da década de 1970. Outra influência desta produção é o personagem Howard Hunter (James Sikking), chefe de uma equipe da S.W.A.T, cuja caracterização é um cruzamento entre o General Douglas MacArthur, oficial que ficou famoso durante a 2ª Guerra Mundial, e o Major Frank Burns (Larry Linville). Hunter pegou de MacArthur o visual ao utilizar óculos escuros, boné (no lugar do quepe) e fumar cachimbo, bem como coragem e a mente militar e nacionalista; de Burns, ele adotou a lógica questionável que invariavelmente o levava a cometer mais erros que acertos, e uma caracterização cômica.
(E-D) Michael Warren, Ed Marinaro e Charles Haid

Cada episódio retratava um dia na vida da delegacia, iniciando com as primeiras horas da manhã e encerrando com o anoitecer, quando cada um vai para casa ao término do trabalho. Os episódios iniciavam com a apresentação da ordem do dia, momento que servia para os roteiristas introduzirem os vários casos que seriam investigados. Embora a série tenha oferecido histórias contínuas, elas eram intercaladas com casos fechados, ou seja, situações que eram introduzidas ao longo do episódio e encerradas quando ele terminava. Boa parte delas não tinha continuidade, servia apenas para retratar o caos em que a delegacia vivia, e casos típicos com os quais policiais precisam lidar, além de dar a cada personagem algo para fazer a cada episódio.
Chumbo Grosso ofereceu personagens complexos e falhos, que muitas vezes se aproximam das pessoas que investigavam, muito embora a maioria não cometesse crime. Temos policiais alcoólatras, como o Detetive LaRue (Kiel Martin), que também participava de esquemas ilegais, sendo que o próprio Capitão Furillo é um ex-acoólatra; violentos, como o Detetive Michael Belker (Bruce Weitz); oportunistas, manipuladores e amorais, como o Chefe Fletcher Daniels (Jon Cypher); corruptos, como o Detetive Sal Benedetto (Dennis Franz) e o Capitão Jerry Fuchs (Vincent Lucchesi), que ainda tenta matar o Prefeito; bem como personagens com problemas emocionais, como o Detetive Art Delgado (Jerome Thor), que sofreu uma crise nervosa, o que o levou a se afastar da carreira; também temos o filho de um vigarista, como o policial Bobby Hill (Michael Warren); e policiais excêntricos, como o Detetive Mick Belker (Bruce Weitz), que trabalha como infiltrado na criminalidade das ruas, o que o leva a se tornar amigo de desajustados. Este personagem remete ao Detetive Fish, de Barney Miller. Muitas vezes utilizado como elemento cômico da série, Belker é um oficial que em vários momentos de seu dia precisa atender sua mãe ao telefone, resolvendo os problemas domésticos e de saúde dela (tal como Fish, que fazia o mesmo, mas com a esposa). A série também trazia policiais idealistas, como Henry Goldblume (Joe Spano); e realistas, mas com uma atitude positiva, como o próprio Furillo e o Sargento Esterhaus.
Estranhamente, os produtores utilizaram um mesmo ator para interpretar dois personagens. Em 1983, Dennis Franz era o Detetive Benedetto, que deixa a história quando comete suicídio. Em 1985, ele voltou como o Detetive Norman Buntz, um homem de moral questionável, linguajar chulo e atitudes violentas, o que o leva a ser constantemente investigado pela Corregedoria. Ele acaba sendo demitido em 1987, quando o personagem saiu para estrelar a spinoff Beverly Hills Buntz. Considerando que Chumbo Grosso é uma série que se propõe a uma abordagem realista (casos investigados e personagens), não faz sentido a produção ter dado a Franz dois personagens recorrentes. Mas o fato disto ter acontecido remete Chumbo Grosso à produção de uma novela e das diversas séries (muitas delas de puro entretenimento) que contratavam o mesmo ator para interpretar diferentes personagens convidados em diversos episódios.
Em 1982, Chumbo Grosso foi a série com a menor audiência da história da rede NBC a ser renovada para a segunda temporada. Isto se deve ao interesse de Silverman na produção, ao fato dela ter conquistado naquele ano nove indicações ao prêmio Emmy, e de ter conquistado uma boa audiência entre os telespectadores que compreendem a faixa etária 18-49 anos (público alvo dos anunciantes). Ela conquistou 98 indicações e 26 vitórias, sendo que levou o prêmio de Melhor Série Dramática quatro vezes. Até hoje, ela, Nos Bastidores da Lei/L.A. LawThe West Wing e Mad Men são as únicas a ter conquistado esta quantidade de prêmios como Melhor Série Dramática. Em 1985, Bochco foi afastado pela MTM da produção por ter repetidas vezes ultrapassado o orçamento. Apesar disso, Chumbo Grosso continuou a ser produzida por mais duas temporadas, totalizando sete, e 146 episódios.
Michael Conrad como o Sargento Phil Esterhaus.
 O ator faleceu na quarta temporada sendo substituído por Robert Prosky

Para muitos, acostumados às séries produzidas no Século XXI, assistir Chumbo Grossohoje pode ser um tanto frustrante, visto que seu frescor ficou datado. Por um lado, o estilo de roteiros e o desenvolvimento de personagens representam claramente a mentalidade da época. Por outro, tudo o que era novidade na série se tornou lugar comum, considerando a grande quantidade de produções que reproduziram seus ingredientes de sucesso e continuam fazendo isso ainda hoje.
Em termos de roteiro, a série trabalhou tramas paralelas, que nem sempre se cruzam, e continuidade de situações, que poderiam ter sequência nos episódios seguintes ou somente ser resgatadas vários episódios a frente ou até mesmo em outras temporadas. Estas tramas poderiam ou não cruzar com os dramas pessoais dos personagens fixos ou recorrentes, o que ampliava o leque de opções de rumos que a história de um ou mais personagens poderia tomar. Situações aparentemente sem importância que ocorriam em um episódio poderiam ou não servir de estopim para um novo caso ou história de um ou mais personagens. Em termos estéticos, a série fez uso do estilo documental com algumas cenas filmadas com a câmera na mão, como era o caso das passagens pelos corredores da delegacia ou na apresentação da ordem do dia ou em algumas cenas de perseguição. Com isso, os episódios ganharam mais agilidade (muito embora não se aproxime da rapidez com que as cenas são exibidas hoje em dia), criando um sentimento de urgência e de aflição, conduzindo a percepção do público em relação a intensidade das histórias e do caos de um ambiente depressivo. Em termos de desenvolvimento de personagens, Chumbo Grosso continuou a mergulhar na complexidade da alma humana, movimento que teve início (nas séries) no final da década de 1950 (com a exceção de algumas produções anteriores), e a oferecer uma maior diversidade étnica (movimento que teve início na segunda metade da década de 1960). Personagens fixos falíveis e moralmente questionáveis (não necessariamente o protagonista), que faziam uso de um linguajar mais chulo (introduzido nas topical sitcoms), que discutiam abertamente questões fisiológicas e exploravam a sexualidade (tanto em relação ao ato em si quanto em debates sobre o tema), algo que já era possível ver dentro das séries americanas em produções como M*A*S*H, que era a versão televisiva de uma produção cinematográfica.
Apesar de tudo isso, é importante salientar que Chumbo Grosso não gozava de uma liberdade plena. Ela ainda estava presa às limitações de sua época, sendo que muitos críticos acreditam que sua coragem em ir além é perceptível até a terceira temporada. Depois disso, ela se estabiliza dentro do espaço que conquistou. O tão propagado realismo que a série ofereceu foi trabalhado em um crescendo ao longo da produção de sete temporadas. Quando a série encerrou em 1987, ela já tinha percorrido um longo caminho desde sua estreia em 1981. Em sua primeira temporada, por exemplo, Chumbo Grosso apresentou uma cena de parto dentro de um carro na qual não se via sangue e nem sequer o bebê. A câmera se limitou a mostrar os rostos dos policiais e do casal, pais da criança que estava para nascer, tal qual ocorria em sitcoms como M*A*S*H. Também quase não se via sangue em cenas de tiroteio com vítimas. As cenas de sexo, em especial entre Furillo e Joyce, eram limitadas a imagens de braços, pernas e as costas nuas (ou o peitoral nu, no caso do homem), que eram parcialmente expostas em cenas muitas vezes curtas que podiam encerrar com o apagar das luzes. Quando a série terminou, ela já se aproximava da forma como as produções seriam exploradas na década de 1990, período em que o Federal Communications Commission – FCC, órgão que regulamenta o setor de telecomunicações, afrouxou as regras permitindo que cenas mais realistas pudessem ser melhor exploradas semanalmente na TV. A década de 1990 viu cair as restrições de se mostrar excesso de sangue, detalhes de operações cirúrgicas ou autópsias, bem como detalhes de cenas consideradas violentas ou visualmente sensíveis.
Embora Chumbo Grosso seja mais lembrada pela crítica que pelo público, a série influenciou o surgimento de novas produções que tentaram reproduzir seus principais ingredientes. O próprio Bochco, em parceria com David E. Kelley, fez isso ao criar Nos Bastidores da Lei/L.A. Law, um drama jurídico que também marcou época. Na mesma linha de Chumbo Grosso também surgiram dramas médicos como St. ElsewherePlantão MédicoChicago Hope e, mais recentemente, Grey’s Anatomyentre outros. Ela ainda influenciou outros dramas policiais como Nova Iorque Contra o Crime/NYPD Blue (também criado por Bochco e que poderia ser considerada uma sequência de Chumbo Grosso), Homicide: Life on the Street, Lei & Ordem (e seus derivados), Oz, The Wire, SouthlandOrange is The New BlackChicago PD (e suas derivadas), entre outros; e dramas de guerra como China BeachCombate no Vietnã e Generation Killentre outros.
As mudanças televisivas provocadas por Chumbo Grosso também abriram as portas para que surgisse na TV americana a série Twin Peaks, produção que por si só provocaria uma nova transformação do veículo ao desmantelar de vez o perfil tradicional das séries americanas.

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