Poirot Chega ao Fim

Primeiro elenco da série (E-D) Pauline Moran, Phillip Jackson, Suchet e Fraser.

Por Fernanda Furquim

Na última quarta-feira, dia 13 de novembro, o canal ITV da Inglaterra exibiu o último episódio da série Poirot, encerrando uma jornada de 24 anos no ar. Tendo estreado em 1989, a série tinha como proposta adaptar toda a obra de Agatha Christie estrelada pelo detetive belga, que se tornou um ícone da literatura policial, apreciado por gerações.
A primeira adaptação da obra de Christie, estrelada por Poirot, que se tenha notícias, foi a peça Alibi, de 1928, adaptação de O Assassinato de Roger Ackroyd/The Murder of Roger Ackroyd, estrelada por Charles Laughton. A peça foi levada ao cinema em 1931, com Austin Trevor, como Poirot. O ator voltaria a encarnar o personagem em mais dois filmes. Em 1966, Tony Randall interpretou Poirot no filme Os Crimes do Alfabeto/The Alphabet Murders, adaptação de Os Crimes ABC/The ABC Crimes.
Poirot voltaria às telas em 1974, quando Albert Finney interpretou o personagem no filme Assassinato no Expresso Oriente. A boa receptividade de público e de crítica levou à produção de mais três filmes, desta vez estrelados por Peter UstinovMorte no Nilo/Death on the Nile (1978), Morte na Praia/Evil Under the Sun (1982) e Encontro com a Morte/Appointment with Death (1988), sendo que este foi o último filme para o cinema.
(E-D) Hugh Frasier e David Suchet

A primeira tentativa de levar a obra de Christie para a TV ocorreu em 1960, quando a MGM adquiriu os direitos de adaptação de todos seus livros (que ainda não tinham sido transformados em filmes). A ideia era a de produzir uma série a ser estrelada por Jose Ferrer como Poirot. Desenvolvido para estrear na Temporada de 1961-1962, o projeto foi descartada pelo estúdio que, para aproveitar os direitos adquiridos, passou a produzir filmes estrelados por Miss Marple, com Margaret Rutherford.
Uma nova tentativa de se produzir uma série com Poirot ocorreu em 1962, quando a CBS exibiu um episódio do teleteatro General Electric Theater, o qual fazia uma adaptação do conto O Desaparecimento do Sr. Davenheim/The Disappearance of Mr. Davenheim, estrelado por Martin Gabel. A intenção era a de utilizar este episódio como piloto de uma nova série, a qual não chegou a ser produzida.
Na década de 1980, com a boa receptividade dos filmes estrelados por Ustinov, a TV decidiu aproveitar a fama do personagem e do ator e produziu três telefilmes estrelados por Ustinov: Thirteen at Dinner (1985, adaptação de Treze à Mesa/Lord Edgware Dies), A Extravagância do Morto/Dead Man’s Folly (1986) e Murder in Three Acts (1986, adaptação de Tragédia em Três Atos/Three-Act Tragedy). Por curiosidade, no primeiro telefilme, o ator David Suchet (o atual Poirot) interpretou o Inspetor Japp. Em 1986, Ian Holm deu vida ao personagem no telefilme Murder By The Book, no qual o agente de Agatha Christie (Peggy Ashcroft) a convence a publicar o texto que ela escreveu há 35 anos no qual o personagem de Poirot morre.
Suchet no último episódio da série

O crescente interesse por Poirot levou o canal ITV a encomendar a primeira série estrelada pelo personagem: Agatha Christie’s Poirot. Para interpretar o detetive, os herdeiros de Christie sugeriram o nome de Suchet, que tinha sido visto por eles na sitcom Blott on the Landscape, exibida pela BBC em 1985.
Embora o ator já tivesse interpretado Japp, ele nunca tinha lido um dos livros de Christie. Em dúvida se deveria aceitar ou não interpretar o famoso detetive, Suchet pediu a opinião de seu irmão, o âncora de telejornal John Suchet. Ele tentou dissuadi-lo, dizendo que David nada tinha a ver com Poirot. Mas, a estas alturas, o ator já estava lendo os livros, fazendo anotações sobre a personalidade de Poirot, vendo os filmes já produzidos e ouvindo programas de rádio da Bélgica e da França para se acostumar ao sotaque, pois estava determinado a se tornar o personagem.
O maior trunfo da série é a caracterização de Suchet, o ator que melhor interpretou Poirot até hoje. Ele construiu o personagem de forma minuciosa, levando em consideração sua postura física, seu modo de andar, de falar e de olhar, bem como seus maneirismos e excentricidades, além dos hábitos alimentares e higiênicos. Em entrevistas ao longo dos anos, Suchet revelou que seu objetivo era tornar Poirot um sujeito charmoso, apesar de tudo, evitando que o telespectador risse dele (mas com ele), algo que era uma preocupação dos herdeiros de Christie.
Sua fidelidade à construção do personagem o levou a enfrentar a oposição de diretores e produtores que não entendiam a razão pela qual ele era tão minucioso. Em seu livro de memórias, Poirot & Me, Suchet revela que, durante as filmagens do primeiro episódio da série, The Adventure of the Clapham Cook (adaptação do conto A Aventura da Cozinheira de Clapham), o diretor Ed Bennett criticou a forma melindrosa como Suchet retratou a mania de Poirot por higiene. Na cena, ele tirou seu lenço do bolso e limpou o banco antes de sentar-se. Bennett considerou a ação ridícula. Defendendo seu ponto de vista sobre o comportamento do personagem, Suchet bateu o pé e se negou a mudar a cena. A discussão chegou ao ponto da equipe chamar o produtor Brian Eastman para que ele apartasse a briga.
Elenco do último episódio da série

A série estreou no dia 8 de janeiro de 1989, com dez episódios produzidos para a primeira temporada. Nesta primeira fase, Poirot ofereceu episódios com uma hora de duração, adaptados de contos escritos por Christie. A estreia da segunda temporada ofereceu o primeiro episódio de longa metragem, o qual adaptou A Casa do Penhasco/Peril at End House, o sétimo romance estrelado por Poirot. Para a estreia da terceira, os produtores ofereceram uma adaptação de O Misterioso Caso de Styles/The Mysterious Affair at Styles, primeiro romance com o personagem.
O formato da série começou a ser alterado em 1992, quando a quarta temporada ofereceu apenas episódios de longa metragem, totalizando três histórias. Para a quinta, a produção retomou o formato de uma hora de duração, pela última vez. A partir da sexta temporada, a série passou a oferecer apenas episódios de longa metragem, todos adaptados de romances.
Com os episódios de longa duração, a série alterou sua estética e teve mais tempo para construir situações e personagens. Em compensação, sua exibição se tornou irregular. Cada história era tratada como um filme, desde sua concepção, produção e finalização. Por isso, os fãs da série tiveram que esperar mais tempo para ver o próximo episódio. Para se ter uma ideia, a sexta temporada teve seus episódios exibidos entre 1994 e 1996. A sétima e oitava tiveram apenas duas histórias produzidas, cada. Mas, a partir da nona, a série estabilizou o número de episódios em quatro por ano.
Em 2000, quando a série entrou em sua oitava temporada, ela passou a contar com a coprodução do canal americano A&E. Mas, apesar da boa audiência e receptividade crítica, o canal ITV decidiu, entre 2010 e 2011, não renovar a série. Na época, o canal exibia os episódios da décima segunda temporada. Suchet ficou arrasado, pois faltavam apenas cinco livros para serem adaptados. O motivo do cancelamento teria sido a falta de verba. Existem aqueles que acreditam que o canal teria revertido a verba de Poirot para a produção da primeira temporada de Downton Abbey, também um drama de época. Mas, segundo o jornal Express, foi justamente o sucesso conquistado com a série de Julian Fellowes que teria feito com que o ITV voltasse em sua decisão e desse a Poirot a oportunidade de adaptar o restante da obra de Agatha Christie. Os últimos episódios começaram a ser filmados em 2012, e foram levados ao ar agora, no segundo semestre de 2013, totalizando 70 episódios.
Suchet e Fraser no último episódio da série

Ao longo dos anos, Poirot contou com as participações de diversos atores, muitos dos quais ainda não eram conhecidos na época, outros já eram nomes famosos. Entre vítimas, testemunhas, suspeitos e assassinos, a série contou com as participações de Damian Lewis (Homeland), Rupert Penry-Jones (Silk, Whitechapel), Russell Tovey (Being Human, Him & Her), Christopher Eccleston(Doctor Who), Peter Capaldi (The Thick of It, Doctor Who), John Noble (Fringe), Joely Richardson (The Tudors), Michael Fassbender (The Devil’s Whore), Emily Blunt, Sean Pertwee, Nathaniel Parker (Inspector Linley, Merlin), Anna Chancellor(The Hour), Jeremy Northam (The Tudors), Hermione Norris (Spooks, A Mother’s Son), Jamie Bamber (Battlestar Galactica), Rachael Stirling (Women in Love),Toby Stephens (Vexed, Black Sails), Gemma Jones (Spooks), Paul McGann (Luther, Doctor Who), David Soul (Starsky & Hutch), Elliott Gould (Friends), Mark Gatiss (Sherlock), Elizabeth McGovern (Downton Abbey), David Morrissey (The Walking Dead), Toby Jones, Hugh Bonneville (Downton Abbey), Jessica Chastain, Iain Glen (Game of Thrones, Breathless), Rebecca Front (The Thick of It), Helen Baxendale (Friends), Anna Reid (Last Tango in Halifax) e Philip Glenister (Life on Mars, Big School), entre muitos outros.
Entre os atores recorrentes, a série contou com as presenças de Hugh Fraser(Capitão Hastings), Phillip Jackson (Inspetor Japp), Pauline Moran (Miss Lemon, secretária de Poirot), David Yelland (George, o valete de Poirot) e Zoë Wanamaker (Ariadne Oliver).
Apesar de Poirot ter chegado ao fim, o interesse de Suchet no personagem não acabou. Em entrevistas, ele revelou que, no futuro, espera que sejam produzidos remakes cinematográficos de algumas das histórias retratadas na série. A favorita dele é The ABC Murders, exibida na TV em 1992.
Enquanto isto não acontece, o personagem sobrevive em outras produções. Em paralelo à série, a rede CBS produziu em 2001 um telefilme estrelado por Alfred Molina, que adapta a obra Assassinato no Expresso Oriente, no qual Poirot faz uso de computadores para ajudar sua massa cinzenta a solucionar o crime e tem um interesse romântico. Em 2004, estreou no Japão a série animada Great Detectives: Poirot & Marple, que ganharam versões mangás pelo canal NHK.
Ainda não há informações sobre se novas produções com o personagem estão sendo planejadas. Talvez demore um pouco, em função da forma como Suchet ficou ligado ao personagem. Mas com certeza Poirot não será a última adaptação do detetive.
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Texto originalmente publicado em 2016, no blog Nova Temporada da VEJA.com, onde fui colunista entre 2010 e 2016

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