Oz Marcou o Início da Nova Geração de Séries Dramáticas Americanas

(E-D) Ernie Hudson, Eammon Walker,
Harold Perrineau e Terry Kinney
Por Fernanda Furquim


A cada década uma ‘nova leva’ de produções surge na TV americana para contribuir com a evolução do formato seriado. Algumas promovem mudanças tão significativas na estrutura que são apontadas como revolucionárias. Outras, pela forma como exploram alguns elementos, definem o caminho a ser seguido.
Como já comentado aqui, o formato seriado da TV americana é dividido entre antes e depois de Twin Peaks. Foi a partir dessa produção que as séries passaram a adotar uma estrutura mais complexa de desenvolvimento de personagens. Ao longo da década de 1990, outras surgiram adotando essa complexidade com uma abordagem mais realista de situações propostas.
Isso somente foi possível graças às mudanças que ocorreram nos bastidores de produção da TV americana. Foi na década de 1990 que ‘caiu’ a imposição de algumas regras ao veículo, as quais impediam os produtores de oferecerem histórias mais realistas. Quando o FCC, órgão que regulamenta o conteúdo da TV americana, permitiu essas mudanças, os roteiristas passaram a explorar com mais riqueza de detalhes o trabalho de profissionais normalmente vistos nas séries de TV, como os policiais e os médicos.
As mudanças de regras permitiram, por exemplo, que detalhes de cenas de autópsias pudessem ser visualizadas pelo público, bem como cirurgias. Também passaram a ser permitidas as filmagens, com mais realismo, de cenas de violência, como assassinatos, sequestros e estupros. Esses detalhes poderiam ser vistos em imagens do ato ou então ouvidos na descrição de como eles ocorreram. Assim, a década de 1990 promoveu a escalada do realismo nas séries de TV.
No entanto, a despeito de produções como Homicide: Life on the Street ou Nova Iorque Contra o Crime, que exploraram essa liberdade com maior ênfase, foi a TV a cabo que trouxe para esse universo aquela que seria a série a dar o pontapé inicial para a nova geração de produções desse formato.
Dean Winters e Scott William Winters, irmãos na vida real.

Em 1997 estreou Oz – a Vida é uma Prisão, produção criada por Tom Fontana, responsável por Homicide: Life on the StreetOz é a primeira série dramática da HBO, que até esse momento investia apenas em comédias ou dramédias, como The Larry Sanders Show, produzida entre 1992 e 1998 e que deu o pontapé inicial nesta fase de produções de qualidade do canal.
Buscando atender seu público, acostumado às produções cinematográficas exibidas pelo canal, a HBO ofereceu sua primeira série dramática com ‘ares’ de cinema. Frustrado com as limitações da TV aberta, Fontana decidiu oferecer seu novo projeto ao canal HBO, que já tinha exibido com sucesso vários documentários e filmes sobre o mundo carcerário. Acreditando no potencial do tema, o canal construiu uma penitenciária em uma fábrica abandonada da National Biscuit Company – Nabisco, em Manhattam, equipada com celas, escritórios, cafeteria, sala de ginástica, biblioteca, sala de computadores, lavanderia, área de lazer e ala de visitações.
A série, filmada em ambiente fechado, deu ao público a sensação claustrofóbica vivida pelos personagens. Oferecendo baixos salários, o canal atraiu uma dezena de atores, alguns renomados, que buscavam pela inédita oportunidade de trabalhar em uma série com uma abordagem mais profunda daquela vista na TV aberta.
(E-D) Lee Tergesen e Christopher Meloni

Por ser uma produção para a TV a cabo, o realismo oferecido por Oz suplantou o que era visto nos canais abertos. A começar pela linguagem, que explorou expressões carregadas de palavrões, passando pela recorrente nudez frontal masculina, masturbação e a violência, marcadas por cenas de estupros. Fosse sexo oral ou a penetração anal, Oz chocou com sua abordagem direta e crua de uma sociedade basicamente masculina confinada em uma prisão de segurança máxima.
Além dessa temática, ela também introduziu histórias carregadas de tensões raciais, políticas e religiosas. Os personagens não eram heróis. Todos estavam presos por algum motivo, sendo que o comportamento de cada um na cadeia intensificava o perfil criminoso. Muitos dos guardas eram corruptos e o sistema administrativo era impotente, restringindo-se a apaziguar situações de conflitos e punir os envolvidos. Grupos representantes de etnias e religiões se formaram e buscaram o domínio do local, impondo vontades, interesses e crueldade. O tráfico era a fonte de renda de muitos que viviam em Oz, nome pelo qual o Oswald State Correctional Facility era conhecido.
Existiam diversas alas na penitenciária, mas as histórias se concentravam, em sua maioria, dentro da Emerald City, criada com o objetivo de introduzir um novo programa de reabilitação. O lugar era um paraíso em comparação às demais alas. Perder uma vaga em “Em City” era se afastar de certas regalias.
(E-D) Ernie Hudson e Terry Kinney

A série conseguiu manter sua proposta ao longo das duas primeiras temporadas. Na terceira, a qualidade começou a cair. Seja por ter sido criticada por oferecer apenas violência e terror, sem propor programas que poderiam reabilitar os presidiários, ou pelo interesse de Fontana em seguir por este caminho, a produção retornou em sua quarta temporada com uma nova abordagem. Surgiram programas culturais e esportivos, diálogos e situações politicamente corretas que debatiam os direitos e deveres de uma penitenciária e do estado, além de redirecionar os prisioneiros para uma postura mais suavizada e moralista Entre a quarta e sexta e última temporada, exibida em 2002, Oz se transformou em uma cópia de si mesmo. Uma espécie de novela com reviravoltas à toa e uma abordagem de moral e cívica. Manteve as cenas de violência e nudez, é claro, mas por pura obrigação do ambiente.
Oz contribuiu com as carreiras de Christopher Meloni, Harold Perrineau, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Kirk Acevedo, Željko Ivanek, Dean Winters, Kathryn Erbe, Lee Tergesen e J. K. Simmons. Também promoveu o retorno de Rita Moreno, Ernie Hudson, Luke Perry e Joel Grey, entre outros.
A estética de Oz marca a transição da década de 1990 para o século XXI. Utilizando recursos televisivos, cinematográficos e teatrais (especialmente nas cenas com o narrador), a produção conseguiu convencer a diretoria da HBO das possibilidades que surgiriam caso investissem nas séries dramáticas.
(E-D) Scott William Winters e J.K. Simmons

Desta forma, Oz possibilitou a chegada de novas produções que marcaram a história da HBO e da TV americana, sendo A Família Soprano, criada por David Chase, a principal delas. Isto porque, se Oz foi um tiro no escuro ou uma experiência que deu certo, A Família Soprano foi a responsável por definir a identidade da HBO. Oferecida à Fox, que chegou a encomendar o roteiro de um episódio piloto, a série foi recusada pelo canal. O sucesso de crítica de Oz, que em 1998 estava em sua segunda temporada, levou Chase a bater às portas da HBO, que aceitou produzir a série.
Tendo se destacado no elenco de Oz, a atriz Edie Falco, que interpretava uma das carcereiras, deixou a série para assumir o personagem de Carmela Soprano. Sua saída foi preparada no final da terceira temporada, quando uma revolta toma conta da penitenciária. Cansada da vida que levava, sua personagem sai de férias, resolvendo não voltar mais. Posteriormente, durante a quarta temporada, ela telefona para se despedir de um dos colegas com quem estava envolvida.
A Família Soprano estreou em 1999, oferecendo uma abordagem totalmente cinematográfica, uma trama mais pessoal e um número menor de personagens (Oz teve cerca de 30 atores se revezando nas histórias). Esta série conquistou a crítica, tornando-se uma das responsáveis por colocar a HBO e a produção da TV a cabo ‘no mapa’ e no consciente coletivo em nível internacional.
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Matéria originalmente publicada em dezembro de 2010 no blog Nova Temporada da VEJA.com, onde fui colunista entre 2010 e 2016.

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